sábado, 28 de junho de 2014

Obediência por Interesse?

"Para os judeus, fiz-me como judeu, a fim de ganhar os judeus. Para os que estão sujeitos à lei, fiz-me como se estivesse sujeito à lei - se bem que não esteja sujeito à lei - para ganhar aqueles que estão sujeitos à lei." (I Coríntios 9:20 BJ).
Dois sofismas anomianistas(a) são associados ao verso de I Coríntios 9:20:
primeiro sofisma, usa a afirmativa: "para os judeus, fiz-me como judeu, a fim de ganhar os judeus", para declarar que Paulo praticava a lei de Moisés com o objetivo de satisfazer ideologias judaicas.
segundo sofisma, utiliza a expressão: "fiz-me como se estivesse sujeito à lei", para insinuar que as atitudes de Paulo não estavam subordinadas à lei de Deus e, que ele comportava-se apenas por conveniência evangelística. O segundo sofisma visa atacar o quarto mandamento do Decálogo.
Estas hediondas alegações anomistas são aniquiladas pela Bíblia ao descrever quem era Paulo e o seu real vínculo com a lei:
"Sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado nesta cidade. Fui instruído rigorosamente por Gamaliel(b) na lei de nossos antepassados, sendo tão zeloso por Deus quanto qualquer de vocês hoje." (Atos 22:3 NVI).
"Todos os judeus sabem como tenho vivido desde pequeno, tanto em minha terra natal como em Jerusalém. Eles me conhecem há muito tempo e podem testemunhar, se quiserem, que, como fariseu, vivi de acordo com a seita mais severa da nossa religião." (Atos 26:4-5 NVI).
"(...) Se alguém pensa que tem razões para confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, verdadeiro hebreu; quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível." (Filipenses 3:4-6 NVI cf. Atos 23:6).

Paulo era filho de hebreus e fariseus, foi membro do sinédrio, conhecia e praticava irrepreensivelmente a lei de Moisés e a cultura judaica (deste que esta não conflitasse com aquela), e fazia estas coisas por causa de seu zelo com Deus. Portanto, ele vivera "natural", "doutrinal", "espiritual" e "culturalmente" como judeu. A expressão "fiz-me como judeu" não foi empregada no sentido de "satisfazer ideologias judaicas", esta alegação é completamente ridícula.


As prerrogativas de Paulo citadas em Atos 22:3Atos 26:5 e Filipenses 3:4-6, facilitavam a sua aproximação aos judeus para pregar o evangelho, pois davam-lhe condições de entender e argumentar com as diversas classes da comunidade judaica.1 Ao dizer, "fiz-me como judeu", ele revelou que agiu respeitando as orientações da lei de Moisés e os procedimentos culturais judaicos sem sobrepujar os princípios do evangelho; ou seja, quando Paulo deparava-se com alguma prática restritamente judaica conflitante com o evangelho, ele não hesitava em preservar este último (Gálatas 2:14-16).

Paulo tinha conhecimento de que, para o evangelho, não importava se um indivíduo era judeu ou gentio;2 mas, comportava-se rigorosamente como judeu sempre que necessário (I Coríntios 9:20 cf. I Coríntios 10:27-33), e através deste proceder ele evitou intrigas e aproximou seus compatriotas de Jesus. Cuidado semelhante ele manifestou em companhia dos gentios, pois jamais exigiu que os mesmos praticassem coisais pertinentes exclusivamente ao judaísmo (I Coríntios 9:21 cf. I Coríntios 10:32-33). Apesar disso, ele era constantemente acusado por seus oponentes de que tinha rebelado-se contra a lei de Moisés e passado a viver de acordo com as diversas culturas gentílicas. Adiante alguns acontecimentos que comprovam estas afirmações:
Lei do Nazireu:
"Paulo permaneceu em Corinto por algum tempo. Depois despediu-se dos irmãos e navegou para a Síria, acompanhado de Priscila e Áquila. Antes de embarcar, rapou a cabeça em Cencreia, devido a um voto que havia feito." (Atos 18:18 NVI).
"Eles foram informados de que você [Paulo] ensina todos os judeus que vivem entre os gentios a se afastarem de Moisés, dizendo-lhes que não circuncidem seus filhos nem vivam de acordo com os nossos costumes. Que faremos? Certamente eles saberão que você chegou. (...)" (Atos 21:21-22 NVI).
Os votos citados em Atos 18:18 e Atos 21:23 (transcrito adiante) estão alicerçados na lei do Nazireu, que foi promulgada com o objetivo de orientar o proceder durante um determinado período de consagração determinado pelo próprio praticante (Números 6:1-5). E Cencreia era uma cidade portuária do golfo Sarônico (situada a oeste de Corinto), ela possuía uma população predominantemente gentílica de cultura grego-romana. Então, se Paulo estava vivendo conforme a cultura dos gentios, por que ele procedeu fielmente com a lei do Nazireu nas mencionadas cidades? Ou, se o intuito de Paulo era apenas agradar os judeus, por que ele praticou esta lei à centenas de quilômetros de Jerusalém, longe da observação de seus acusadores?
Ademais, essa consagração de Paulo foi uma excelente oportunidade para ele provar que os seus oponentes testemunhavam falsamente a seu respeito, visto que ele continuava preservando a lei: "Portanto, faça o que lhe dizemos. Estão conosco quatro homens que fizeram um voto. Participe com esses homens dos rituais de purificação e pague as despesas deles, para que rapem a cabeça. Assim, todos saberão que não é verdade o que falam de você [Paulo], mas que você continua vivendo em obediência à lei." (Atos 21:23-24 NVI).
Lei da Circuncisão:
"Querendo Paulo que ele [Timóteo] partisse consigo, realizou a sua circuncisão, por causa dos judeus que havia naqueles lugares. É que todos sabiam que seu pai era grego." (Atos 16:3 BJ). "Ora, nem Tito, que estava comigo, e que era grego, foi obrigado a circuncidar-se." (Gálatas 2:3 BJ).
E então, Paulo era discriminador? (Tiago 2:8-9). Por que ele aceitou a circuncisão de Timóteo e não a de Tito? Se Paulo satisfazia a lei de Moisés apenas para agradar os judeus, por que ele não aceitou que Tito fosse circuncidado, uma vez que um gentio poderia participar deste ritual? (Êxodo 12:48-49 cf. Ezequiel 44:7-8). Onde está o respeito pelo "aspecto ideológico" dos judeus, não era o seu intuito conquista-los?
Legalismo Judaico:
"Quando, porém, Pedro veio a Antioquia, enfrentei-o face a face, por sua atitude condenável. Pois (...) afastou-se e separou-se dos gentios, temendo os que eram da circuncisão. Os demais judeus também se uniram a ele nessa hipocrisia, de modo que até Barnabé se deixou levar. Quando vi que não estavam andando de acordo com a verdade do evangelho, declarei a Pedro, diante de todos: Você é judeu, mas vive como gentio e não como judeu. Portanto, como pode obrigar gentios a viverem como judeus?" (Gálatas 2:11-14 NVI).
Se o propósito de Paulo era "fazer-se como judeu" de acordo com a lei, meramente para convencer os judeus do evangelho, por que ele agiu publicamente contra a atitude deles para com os gentios? Naquele momento, os judeus se baseavam em duas orientações para justificar o comportamento equivocado que mantinham: "É necessário circuncidá-los e determinar-lhes que observem a lei de Moisés." (Atos 15:5 NVI) e, "é contra a nossa lei um judeu associar-se a um gentio ou mesmo visitá-lo." (Atos 10:28 NVI). Fundamentados também neste acontecimento, insistimos: Perdeu-se o objetivo de Paulo em seguir a lei pela "ideologia judaica"?
Dentre os exemplos acima, o mais polêmico é o caso da circuncisão envolvendo Timóteo e Tito. Que motivos conduziram Paulo a agir diferentemente nos dois casos?

Timóteo era considerado judeu (nascido de mãe judia e pai gentio) e, conforme as leis judaicas,3 ele poderia ser circuncidado. Aliado a isso, Paulo tinha forte apreço por Timóteo e desejava tê-lo como auxiliar no seu ministério, pois ele estava sempre voltado às Escrituras com verdadeira fé.4 E, devido a vida pública que Timóteo desempenharia em favor do evangelho, Paulo concordou em sua circuncisão, visto que: a sua continua convivência com os judeus, associada a sua anterior condição incircuncisa, teria causado descrédito por parte deles; fatalmente não aceitariam Timóteo como instrutor cristão. Então, Paulo, para evitar que ele se tornasse motivo de constrangimento na comunidade judaica, concordou com a sua circuncisão.

Tito, por sua vez, era gentio e nada justificava a realização de sua circuncisão. Ademais, Paulo entraria em conflito com aquilo que ele próprio ensinava: "Porque em Cristo Jesus nem circuncisão nem incircuncisão têm efeito algum, mas sim a fé que atua pelo amor." (Gálatas 5:6 NVIRomanos 2:29 cf. Deuteronômio 30:6). Embora a circuncisão não tenha importância alguma para o evangelho, ela possui forte influência no judaísmo. Não obstante, Paulo não iria retomar algo que já havia sido resolvido no concílio de Jerusalém(c).

Assim, a circuncisão de Timóteo além de ter sido neutra para o evangelho, não confrontou um de seus princípios fundamentais, uma vez que ela não foi praticada com o intuito de obter justificação por obras (cf. Romanos 9:30-32Gálatas 2:15-16). Deste modo, Paulo procedeu de acordo com a lei para atender uma particularidade na cultura judaica sem infringir o evangelho. Vale ressaltar ainda que a expressão "sujeitos à lei" de I Coríntios 9:20, refere-se a obediência integral da lei(d) de Moisés. Os judeus que ainda não tinham aceitado o sacrifício de Cristo acreditavam na completa submissão à ela, sobretudo aos preceitos cerimoniais (II Coríntios 3:14-15 cf.Atos 15:1).

Considerações Finais
Embora relutante contra o evangelho, a nação de Israel não havia sido esquecida completamente por Paulo (Atos 13:46 cf. I Coríntios 10:32-33Hebreus 3:12-14). Em meio as dificuldades, Paulo mantinha a esperança de ver o seu próprio povo volvendo-se também com Cristo.

Ele realizou várias viagens evangelísticas para diversas localidades fora da Palestina e, consequentemente, teve contato com diversas culturas. Todavia, sempre buscou respeitá-las enquanto este respeito não confrontasse o evangelho e a lei de Deus. E o verso de I Coríntios 9:21 expõem nitidamente este comportamento:
"Para aqueles que vivem sem a lei, fiz-me como se vivesse sem a lei - ainda que não viva sem a lei de Deus, pois estou sob a lei de Cristo - para ganhar aqueles que vivem sem a lei." (BJ).
O texto de I Coríntios 9:21 é, inseparavelmente, complemento de I Coríntios 9:20. Contudo, ele é ignorado propositalmente por aqueles que defendem os sofismas apresentados no início deste estudo pelos seguintes motivos:
A expressão, "sem a lei" de I Coríntios 9:21, refere-se aos gentios que não conheciam em sua plenitude a lei de Deus, mas agiam em conformidade com os seus princípios(e)(Romanos 2:14-16).
A afirmativa, "para aqueles que vivem sem a lei, fiz-me como se vivesse sem a lei" (I Coríntios 9:21 BJ), demonstra a preocupação de Paulo quanto ao seu procedimento como judeu frente a cultura dos gentios, e atitude similar foi adotada com as questões legislativas e culturais dos judeus: "para os que estão sujeitos à lei, fiz-me como se estivesse sujeito à lei" (I Coríntios 9:20 BJ).
A declaração, "ainda que não viva sem a lei de Deus" (I Coríntios 9:21 BJ), pulveriza a insinuação anomista de que as atitudes de Paulo não eram subordinadas aos Dez Mandamentos(f) (cf. Romanos 7:22Romanos 8:6-7Romanos 13:8-10). Da mesma forma aniquila a alegação de que a sua observância sabática não era fundamentada pelo quarto mandamento(g).
Apesar de todo o seu conhecimento e zelo pela lei de Moisés, Paulo discernia as coisas que eram praticáveis com o advento da nova aliança: "Foi alguém chamado sendo já circunciso? Não desfaça a sua circuncisão. Foi alguém chamado sendo incircunciso? Não se circuncide. A circuncisão não significa nada, e a incircuncisão também nada é; o que importa é obedecer aos mandamentos de Deus." (I Coríntios 7:18-19 NVI cf. Hebreus 10:16-17); isto é, obedecer a lei de Deus(h).

Assim, nota-se claramente as falácias elaboradas por meio de textos bíblicos descontextualizados para atacar a lei e Deus. Igualmente, observar-se o motivo que conduze a este sórdido comportamento: satisfazer a consciência estagnada no erro.


a. Sofisma: argumento elaborado com o intuito de induzir ao erro; raciocínio capcioso alicerçado em ideia inconsistente; aquilo que foi elaborado para conduzir propositalmente ao engano. Anomista: pensamento ou indivíduo que rejeita os padrões de conduta determinados pela lei de Deus; aquele que defende que o comportamento humano não deve estar sujeito as regras de uma lei, sobretudo as divinas.
b. Gamaliel era fariseu, mestre da lei e respeitado por todo o povo judeu (Atos 5:34).
d. Alguns comentaristas interpretam a expressão, "sujeitos à lei" de I Coríntios 9:20, como sendo as leis rabínicas criadas a partir da lei de Moisés.
1. Atos 13:16-22; Atos 14:1-2; Atos 17:1-4; Atos 28:17-20.
2. Romanos 2:25-29; Romanos 3:29-30; Romanos 10:12-13; I Coríntios 12:13; Gálatas 6:15; Colossenses 3:11.
3Babylonian Talmud: Tractate Yebamoth, folio 45(b).
4. Romanos 16:21; Atos 19:21-22; I Coríntios 4:17; I Coríntios 16:10-11; I Timóteo 1:1-2; II Timóteo 1:1-5; II Timóteo 3:14-15.

sábado, 21 de junho de 2014

A Lei de Deus aos Romanos - II

"Pois em Deus não há parcialidade. Todo aquele que pecar sem a lei, sem a lei também perecerá, e todo aquele que pecar sob a lei, pela lei será julgado. Porque não são os que ouvem a lei que são justos aos olhos de Deus; mas os que obedecem à lei, estes serão declarados justos. De fato, quando os gentios, que não têm a lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a lei; pois mostram que as exigências da lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os." (Romanos 2:11-16 NVI).
Imparcialidade divina

Deus não concederá privilégio a nenhum pecador durante o Seu julgamento, mas haverá perfeita imparcialidade em cada litígio. Cada caso será considerado em sua singularidade.1 Não importa a condição social, a qual etnia, tribo e nação o indivíduo pertença, todos serão julgados por suas obras e estas serão examinadas pelos princípios da lei.2

Durante os esclarecimentos sobre o juízo, Paulo rebateu a crença de que o povo de Israel era favorecido por sua eleição(a) como representante de Deus e, por ter sido auxiliado em diversas situações perigosas. Os judeus acreditavam também que podiam condenar os pecados de outras nações enquanto eles realizavam as mesmas transgressões e, que o conhecimento teórico da lei, associado a sua obediência formal, garantiria a salvação.3 Jesus condenou fortemente estas atitudes e tentou encaminhá-los naquilo que Deus realmente exigia: uma vida de obediência à lei alicerçada na fé, justiça, misericórdia e amor; mas recusaram.4Enquanto a maioria dos judeus negligenciavam os princípios que conduziam à verdadeira obediência da lei, haviam não-judeus que eram zelosos tanto pela lei, quanto pelos seus fundamentos (Romanos 2:25-29); e este zelo era intensificado a medida que recebiam o evangelho.5

Fé e obras avaliadas no tribunal celestial
No juízo(b), as obras realizadas em verdadeira obediência à lei auxiliam o pecador arrependido a demonstrar sua submissão a Deus (Romanos 2:13Ezequiel 33:12-16); elas ajudam a comprovar que a  em Cristo foi realmente sincera: "Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: 'Você tem fé; eu tenho obras.' Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras." (Tiago 2:17-18NIV).

Enquanto a fé em Jesus conduz à graça de Deus (ao perdão), as obras realizadas em harmonia com a lei revelam que o pecador abandonou a sua antiga vida pecaminosa, que ele verdadeiramente aceitou a exigência: "Vai e não peques mais." (João 8:11 cf. I João 3:4). E Tiago reforça este ensino ao declarar: "Porquanto, Aquele que disse: 'Não adulterarás', também ordenou: 'Não matarás'. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei. Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como aqueles que hão de ser julgados pela lei da liberdade." (Tiago 2:11-12 RA cf. Tiago 1:25Êxodo 20:3-17).

O texto de Romanos 2:13 ensina que os homens são julgados não pelo o que conhecem ou professam ser, mas por suas atitudes. Igualmente, são julgados os reais motivos que conduziram o proceder de cada indivíduo (Romanos 2:5-8Hebreus 4:12-13). Paulo comparou duas situações que são avaliadas no juízo: aqueles que conhecem a vontade de Deus mas não estão dispostos a obedecê-la, com aqueles que não somente conhecem a vontade de Deus mas Lhe rendem sincera obediência. E esta obediência é desenvolvida unicamente com a fé alicerçada no amor (Mateus 22:36-40Romanos 13:8-10); algo que muitos judeus não desenvolveram por causa da confiança que tinham em si mesmos (Romanos 9:30-33).

O julgamento de Deus avalia as oportunidades, os esclarecimento, as revelações; enfim, cada ajuda concedida ao pecador e os respectivos resultados desenvolvidos por ele. E "mesmo que você diga: 'Não sabíamos o que estava acontecendo!' Não o perceberia Aquele que pesa os corações? Não o saberia Aquele que preserva a sua vida? Não retribuirá Ele a cada um segundo o seu procedimento?" (Provérbios 24:12 NVI cf. Hebreus 4:12-13). "Será que a sua coragem suportará ou as suas mãos serão fortes para o que Eu vou fazer no dia em que Eu lhe der o devido tratamento? Eu, o Senhor, falei, e o farei." (Ezequiel 22:14 NVI).

A prática natural da lei
Deus avalia cada indivíduo de acordo com as oportunidades que lhe foi concedida para desenvolver a sua obediência à lei. Sobre esta questão, Paulo especifica que os judeus são julgados pelo conhecimento da lei que obtiveram diretamente de manuscritos (a lei na sua forma escrita), e que deveriam ter repassado as demais nações (Êxodo 19:5-6 cf. Levítico 24:22Romanos 3:1-2). E os gentios são avaliados pelo conhecimento da lei que obtiveram por meio da criação e pela atuação do Espírito de Deus (a lei na sua forma não escritaRomanos 2:14-15). De qualquer maneira, ambos os grupos são conduzidos ao julgamento independente da forma que conheceram a vontade de Deus, pois todos sem justificativa pecaram e estão sob condenação:
"Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade(c) pela injustiça(d), pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, Seu eterno poder e Sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não O glorificaram como Deus, nem Lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se." (Romanos 1:18-21 NVI cf. Gênesis 6:5-6Romanos 3:9-12).
O salmista Davi confirma estas palavras dizendo: "Visto que não consideram os feitos do Senhor, nem as obras de Suas mãos, Ele os arrasará e jamais os deixará reerguer-se." (Salmos 28:5 NVI cf. Salmos 19:1Isaías 5:11-12).

Portanto, a expressão "sem lei" de Romanos 2:12 refere-se aos gentios que não tiveram a lei revelada na sua forma escrita, mas a tinham implantada na consciência: "Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos." (Romanos 2:14 RA). O Espírito Santo, com o auxílio das obras de Deus, nunca deixou a consciência do homem totalmente a mercê de sua pecaminosidade, Ele sempre procurou direcionar o pensamento humano nos princípios da lei (Isaías 30:21;João 14:25-26Romanos 8:5-9). Sem Deus e Seu Espírito, a consciência do homem promove apenas o mal:
"O Senhor viu que a perversidade do homem tinha aumentado na Terra e que toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal." (Gênesis 6:5 NVI). "O Senhor conhece os pensamentos do homem, e sabe como são fúteis." (Salmos 94:11 NVI).
"Com efeito, é de dentro, do coração dos homens que saem as intenções malignas." (Marcos 7:21 BJ). "Conforme está escrito: Não há homem justo, não há um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus." (Romanos 3:10-11 BJ).
Portanto, ninguém é capaz de praticar e desenvolver ao longo da vida os princípios da lei, caso não seja guiado pelo Espírito de Deus. Paulo em Romanos 2:14 não afirmou que a consciência dos gentios era o seu guia, mas que eles tinham a "lei gravada em seus corações", ou seja, tinham os princípios da lei fixada em suas mentes. Assim, eles poderiam agir "por natureza [normalmente], de conformidade com a lei". E como mencionado, somente Deus mediante o Seu Espírito é capaz de executar esta obra no homem, nunca a sua consciência carnal:
"Quer você se volte para a direita quer para a esquerda, uma voz atrás de você lhe dirá: 'Este é o caminho; siga-o'." (Isaías 30:21 NVI).
"Tudo isso lhes tenho dito enquanto ainda estou com vocês. Mas o Conselheiro, o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu nome, lhes ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar tudo o que Eu lhes disse." (João 14:25-26 NVI).
"O Espírito Santo também nos testifica a este respeito. Primeiro Ele diz: 'Esta é a aliança que farei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor. Porei as Minhas leis em seu coração e as escreverei em sua mente'. (...)" (Hebreus 10:15-17 NVI).
E, assim como na antiga aliança a lei foi consolidada na "mente e coração" daqueles que aceitaram obedecer sinceramente a Deus, isso ocorre também na nova aliança:
"Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as Minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e Eu serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo. E não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor; porque todos Me conhecerão, desde o menor deles até ao maior." (Hebreus 8:10-11 RA cf. Jeremias 31:31-34Isaías 8:16).
Os gentios que reconheceram a revelação de Deus nas obras da criação e responderam ao impulso divinamente implantado de fazer o bem, praticaram naturalmente as exigências da lei(e) (cf. Romanos 2:29). E Paulo refere-se especificamente a lei de Deus, chamada também de lei Natural ou lei Moral(f) que retém exclusivamente os Dez Mandamentos, pois era impossível aos gentios cumprir "por natureza" (normalmente) os diversos estatutos, preceitos, ordenanças e cerimônias determinadas na lei de Moisés(g). Porém, podiam cumprir "por natureza" (praticar naturalmente) com o auxílio do Espírito Santo, os princípios contidos nos mandamentos do Decálogo.

"A cada um segundo as suas obras"
Os que tiveram o privilégio de conhecer a lei de Deus em sua totalidade (através de manuscritos, isto é, na sua forma escrita) e, no entanto, pecaram espontaneamente contra uma expressão tão clara da vontade de Deus, devem receber um castigo maior em relação aqueles que tiveram menos instrução. A severidade do castigo é proporcional a culpa, e o nível da culpa corresponde às oportunidades. Não deve haver confusão entre a imparcialidade do julgamento com a intensidade ou grau de punição que cada pecador condenado receberá.6 O juízo de Deus sobrevirá a todos e devidamente regulamentado pela Sua lei, mas o rigor punitivo de maior intensidade recairá sobre aqueles que escolheram transgredi-la mesmo sendo conhecedores de suas exigências.

E de acordo com a Bíblia, pecado sempre foi e sempre será a transgressão da lei de Deus, independente da situação apresentada.7 Portanto, ambos os grupos de pecadores impenitentes (judeus e gentios) perecerão por seus pecados não perdoados (Romanos 6:23I João 2:1-4Isaías 8:20). A misericórdia descrita em Isaías 55:7não será exercida nestes casos, mas, naqueles onde a fé em Jesus se fez presente; nos casos em que o pecador verdadeiramente se arrependeu e buscou seguir a Cristo.

Isso pode ser exemplificado através do comportamento do jovem rico que conhecia a lei mas não praticava seus ensinos e, preferiu recusar o convite de Jesus (atitude que impossibilitou-o de obedecer verdadeiramente a lei e de receber a misericórdia que o livraria da punição pelos seus pecados, Mateus 19:16-22). Exemplo oposto encontra-se no comportamento do ex-criminoso crucificado ao lado de Jesus. Independentemente dos motivos que o conduzira a estar ali, ele reconheceu sua condição pecaminosa, se arrependeu e decidiu a partir daquele momento não abandonar a Cristo; sua fé, firme e santa, tinha um único objetivo, ter a Jesus como Mestre e Salvador (Lucas 23:35-43). Neste caso, a misericórdia de Deus se fez presente, "a graça transbordou" para salvar aquele pecador sinceramente arrependido (Romanos 5:20-21II Coríntios 7:10).

Considerações Finais
O homem tem a capacidade de julgar seus pensamentos, palavras e ações. No entanto, a sua consciência desprovida de orientação divina é demasiadamente vacilante (I Coríntios 8:7 cf. Jó 32:8), e pode cauterizar-se no erro - principalmente quando submetida intensamente a ideologias e praticas maléficas (I Timóteo 4:2). Inversamente, a consciência pode está esclarecida pela verdade que recebeu e, procede de acordo com a vontade de Deus (II Coríntios 1:12). Paulo demonstrou que a atuação da consciência dos gentios era uma evidência de que eles tinham algum direcionamento da vontade de Deus expressa em Sua lei (Romanos 2:14-15), apesar de não terem tido as oportunidades de conhecê-la como os judeus tiveram (Romanos 2:17-18).

Deus tem um registro exato de cada ato explícito ou secreto do pecador (Daniel 7:9-10I Coríntios 4:5;Apocalipse 20:12), deste modo, Ele pode julgar devidamente cada pessoa. O principal ensino de Romanos capítulo 2 está no verso 16, onde apresenta-se o judeu favorecido com a revelação da lei, e que se sentia inclinado a menosprezar o gentio, julgando-o indigno de salvação. Mas unicamente Deus, que pode ler o íntimo da vida, anunciará o veredito.

A prontidão para obedecer a Deus mediante a consciência orientada pelo Espírito Santo (João 14:26Hebreus 10:15-16), é algo que só Deus conhece plenamente. A fé, justiça, misericórdia e amor, que constituem a essência da verdadeira observância da lei, são as qualidades de caráter que Deus espera encontrar em judeus e gentios, e no juízo são rigorosamente avaliadas(h).


a. Esta eleição (escolha) não foi imposta pois os israelitas na ocasião tiveram a opção de negá-la (Êxodo 19:1-8).
c. "As obras de Suas mãos são verdade e justiça; fiéis, todos os Seus preceitos." (Salmos 117:7 RA cf. Êxodo 31:18). "A Tua justiça é justiça eterna, e a Tua lei é a própria verdade." (Salmos 119:142 RA).
d. "A Terra está contaminada pelos seus habitantes, porque desobedeceram às leis, violaram os decretos e quebraram a aliança eterna." (Isaías 24:5 NVI cf. Hebreus 10:15-17). "Toda injustiça é pecado (...)" (I João 5:17 RA). "Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei." (I João 3:4 RA).
1. Deuteronômio 10:17-18; II Crônicas 19:7; Jó 34:10-19; Romanos 3:28-31.
2. Eclesiastes 12:13-14; Isaías 24:4-6; Mateus 16:27; Tiago 2:8-13.
3. Isaías 1:4; Jeremias 7:8-10; Ezequiel 22:7-8 e 26; Daniel 9:11; Atos 15:1; Romanos 2:1-3; Romanos 2:17-24.
4. João 5:39-45 cf. Isaías 53:1-3; Jeremias 6:16, Romanos 9:30-33; Mateus 23:23; João 15:10; Tiago 2:26.
5. Atos 10:45-47; Atos 11:1; Atos 13:46-48; Atos 15:3.
6. Ezequiel 5:27; Mateus 11:21-24; Mateus 12:41-42; Lucas 12:45-48.
7. Isaías 24:4-6; I João 3:4; Romanos 5:12-13; Romanos 7:7. Acesse: A Origem do Mal.

sábado, 14 de junho de 2014

A Lei de Deus aos Romanos - I

O tema central da epístola aos romanos é a pecaminosidade generalizada da humanidade e a abrangência universal da graça de Deus, sendo esta o único meio pelo qual os pecadores obtêm o perdão e são restaurados à perfeição e a santidade. A graça é obtida unicamente pela fé em Jesus Cristo, que morreu, ressuscitou e vive eternamente para restabelecer o pecador arrependido aos propósitos originais instituídos na criação(a).1

Quando Paulo escreveu aos cristãos romanos, em sua mente sobrevinha os problemas que surgiram em seus conflitos com os judaizantes(b), apesar disso, ele centralizou sua mensagem no plano de Deus para combater o pecado. Pode-se afirmar ainda, que os versos de Romanos 1:16-17 apresentam o fundamento desta mensagem, sendo os demais uma dissertação sobre eles. Ao longo de seu discurso, Paulo demonstra que judeus e gentios pecaram e continuam afastados de Deus (Romanos 3:23-24), e que não há nenhuma razão para este afastamento, pois todos sem exceção tiveram a oportunidade de conhecer a Deus e Seus propósitos em algum momento de suas vidas (Romanos 1:18-21).

Portanto, todos estariam com devida justiça sob a condenação de morte eterna se não fosse a graça de Deus, pois não existe ninguém capaz de se libertar por si mesmo de sua condição pecaminosa; ninguém possui a vontade natural de obedecer a Deus (Romanos 8:5-9 cf. Gênesis 6:5-6Romanos 7:15-18). Paulo destaca ainda que a tentativa legalista de seguir a lei resulta em fracasso, além de evidenciar arrogância ao buscar "justiça" própria sem o reconhecimento da debilidade e necessidade de um Salvador, Jesus Cristo (Romanos 9:30-33 cf.Isaías 8:14). Ao pecador, exige-se que exerça a fé que: o ajude a obter o perdão de seu passado pecaminoso e, o habilite a receber ajuda divina para desenvolver uma vida de retidão.

A carta aos romanos responde a pergunta dos séculos: "Como poderia o homem justificar-se diante de Deus?" (Jó 9:2 BJ). Ninguém pode julgar-se justo caso não se justifique com o Criador (Isaías 1:18Isaías 43:25-26). E Paulo apresenta a maneira como Deus guia o homem na justificação através de Cristo; demonstrando ainda, paralelamente, a relação harmoniosa entre a lei de Deus e Sua graça (Romanos 3:31 cf. Romanos 2:13;Romanos 6:15). Deste modo, analisaremos alguns versos dessa carta dentro do contexto em que eles estão inseridos, diferentemente daqueles que os avaliam de forma isolada com o objetivo de manter a crença anomista de que lei de Deus foi anulada pela graça.

Romanos 7:6
"Mas agora, morrendo para aquilo que antes nos prendia, fomos libertados da lei, para que sirvamos conforme o novo modo do Espírito, e não segundo a velha forma da lei escrita." (NVI).
A expressão "libertados da lei" refere-se a absolvição da penalidade pela transgressão da própria lei.2 Este mesmo ensino é encontrado em Romanos 6:14-15(c). Em ambos os casos, declara-se que o pecador arrependido que abandonou a sua conduta pecaminosa ("aquilo que antes o prendia", Romanos 7:5Romanos 6:12 cf. Ezequiel 33:15-16), ao dirigir-se a Cristo, não está sujeito a condenação por ter transgredido a lei de Deus (Romanos 6:23 cf. I João 3:4), pois a graça concedeu-lhe o perdão (Romanos 5:16Miquéias 7:18-20;Hebreus 8:12). Entretanto, se o pecador beneficiado retornar a transgredir a lei, ela novamente mostrará o pecado cometido e o condenará. A lei exercerá o seu direito de cobrar justiça. O pecador estará mais uma vez cativo "àquilo que antes o prendia" (o seu pecado), e consequentemente sujeito a devida punição, a morte eterna. Ele novamente terá que recorrer a graça de Deus e ao auxílio do Espírito Santo caso deseje livrar-se novamente dessa situação (Romanos 6:22-23).

Romanos capítulo 7 descreve a luta contra as tendências maléficas que habita a mente humana e, a experiência da pessoa regenerada pelo Espírito Santo. Este capítulo demonstra a batalha incessante entre a velha e nova naturezas do homem (Romanos 7:15-25II Coríntios 5:17). Muitos reconhecem a condição pecaminosa em que estão envolvidos, todavia, escolhem não passar pelo processo de conversão e mantêm a vida de pecados. Paulo, no capítulo 7, esclarece também a atuação da lei e as consequências de transgredi-la:
"Que diremos então? A lei é pecado? De maneira nenhuma! De fato, eu não saberia o que é pecado, a não ser por meio da lei. Pois, na realidade, eu não saberia o que é cobiça, se a lei não dissesse: 'Não cobiçarás'. Mas o pecado, aproveitando a oportunidade dada pelo mandamento, produziu em mim todo tipo de desejo cobiçoso. Pois, sem a lei, o pecado está morto. Antes eu vivia sem a lei, mas quando o mandamento veio, o pecado reviveu, e eu morri. Descobri que o próprio mandamento, destinado a produzir vida, na verdade produziu morte.
Pois o pecado, aproveitando a oportunidade dada pelo mandamento, enganou-me e por meio do mandamento me matou. De fato a lei é santa, e o mandamento é santo, justo e bom. E então, o que é bom se tornou em morte para mim? De maneira nenhuma! Mas, para que o pecado se mostrasse como pecado, ele produziu morte em mim por meio do que era bom, de modo que por meio do mandamento ele se mostrasse extremamente pecaminoso. Sabemos que a lei é espiritual; eu, contudo, não o sou, pois fui vendido como escravo ao pecado." (Romanos 7:7-14 NVI).
Embora a lei seja espiritual (verso 14), o homem envolvido com seus pecados não se considera subordinado à ela. O homem transgride a lei porque a sua natureza é carnal, e a situação se agrava quando ele ignora as orientações do Espírito Santo:
"Quem vive segundo a carne tem a mente voltada para o que a carne deseja; mas quem vive de acordo com o Espírito, tem a mente voltada para o que o Espírito deseja. A mentalidade da carne é morte, mas a mentalidade do Espírito é vida e paz; a mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à lei de Deus, nem pode fazê-lo. Quem é dominado pela carne não pode agradar a Deus." (Romanos 8:5-8 NVI).3
Enquanto a lei de Deus diz: não matarás; não adulterarás; não dirás falso testemunho; lembra-te do dia de sábado, para o santificar; não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão; e etc. (Êxodo 20:3-17), o homem carnal seduzido por seus desejos pecaminosos infringe os mandamentos desta lei. No entanto, quando ele se submete a orientação do Espírito Santo, ele deixa de transgredi-la; há o abandono da antiga vida de pecado e, a partir de então, o envolvimento com os propósitos de Deus. Assim, ele estará livre da condenação da lei ("libertado" da lei) para que sirva conforme o Espírito (Romanos 7:6).

Romanos 9:30-33
"Que diremos, então? Os gentios, que não buscavam justiça, a obtiveram, uma justiça que vem da fé; mas Israel, que buscava uma lei que trouxesse justiça, não a alcançou. Por que não? Porque não a buscava pela fé, mas como se fosse por obras. Eles tropeçaram na 'Pedra de tropeço'. Como está escrito: 'Eis que ponho em Sião uma Pedra de tropeço e uma rocha que faz cair; e aquele que nEla confia jamais será envergonhado'." (NVI).
Confiante em mérito próprio, o povo de Israel buscava satisfazer a lei, mas não obteve sucesso. A razão desse fracasso é que a lei exige observância perfeita de seus preceitos e a natureza pecaminosa do homem não possui condição para isso. Os judeus tinham depositado em si mesmos a capacidade para satisfazer a justiça exigida pela lei (Romanos 10:1-3). Eles pretendiam ser justos confiando nas obras de suas mãos, e isso os conduziu a agir apenas por formalidade; perderam de vista a real justiça defendida pela lei quando negligenciaram a fé que os conduziriam à ela. Todavia, deve-se ter em mente que, embora a justiça seja obtida pela fé, esta não anula a lei:
"Anulamos então a lei pela fé? De maneira nenhuma! Ao contrário, confirmamos a lei." (Romanos 3:31RA). "Porque os simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados." (Romanos 2:13 RA).
"De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé pode salvá-lo? (...) a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: 'Você tem fé; eu tenho obras.' Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras. (...) Você pode ver que tanto a fé como as obras estavam atuando juntas, e a fé foi aperfeiçoada pelas obras. (...) Vejam que uma pessoa é justificada por obras, e não apenas pela fé." (Tiago 2:14-24 NVI).
"Fé e obras" sempre estiveram juntas complementando-se (Tiago 2:22 cf.Hebreus 11:7-8Hebreus 11:17-18). Então, aquele que tenta justificar-se meramente por obras, tropeçará, cairá e se ofenderá (I Pedro 2:1-8). Cristo veio para ensinar e conceder a justiça que procede de Deus, a qual deve ser aceita pela fé (Romanos 1:17). Os israelitas que procuravam outra forma de justiça escandalizaram-se com Cristo e Sua mensagem (Mateus 15:12-14 cf. Isaías 8:14-16). Eles estavam tão apegados no conceito deturpado de que a verdadeira justiça podia ser obtida unicamente por meio de suas obras que, abertamente, se opuseram contra Jesus e finalmente O assassinaram (João 6:41-66Marcos 11:15-18).

A culpa não era da "Pedra" (Jesus Cristo), mas da atitude daqueles que interpretaram erroneamente as Escrituras; cegos espiritualmente por si mesmos, eles rejeitaram os ensinos que conduziam a Jesus (Isaías 53:1-3 cf. João 5:39). Cristo crucificado era um tropeço para os judeus e loucura para os gentios, mas era poder e sabedoria de Deus para os que O aceitavam (I Coríntios 1:22-25). Jesus é Pedra de tropeço para os soberbos e desobedientes, mas, Pedra preciosa para os que guardam a lei objetivando justiça baseada na fé (Apocalipse 14:12 cf. I João 2:1-7I João 5:1-4).

Somente pela fé em Jesus pode o homem atingir verdadeiramente as exigências que a lei de Deus requer. Os judeus exaltavam a lei e não exerciam a fé em Cristo, e hoje, inversamente, os cristãos dizem que exercem fé em Cristo enquanto anulam de suas vidas a lei praticada e ensinada por Ele.4 E, nos "bastidores", está Satanás, aplaudindo judeus e gentios que aceitam seus enganos e diretamente lhe auxilia a promover a separação entre "fé e obras", "graça e lei" (Apocalipse 12:17 cf. Apocalipse 14:12).

Romanos 10:4
"Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê." (RA).
A palavra "fim" utilizada neste verso provém do substantivo grego "telos", que apresenta o significado de: propósito, objetivo, finalidade, meta. No caso em questão, ela não é empregada no sentido de: "cessar", "terminar" ou "abolir". A aplicação de "telos" indicando desígnio ou intenção é observada também em I Pedro 1:9:
"Obtendo o fim [telos] da vossa fé: a salvação da vossa alma." (RA).
"Pois que alcançais o fim [telos] da vossa fé, a saber, a salvação das vossas almas." (BJ).
"Pois vocês estão alcançando o alvo [telos] da sua fé, a salvação das suas almas." (NVI).
Obviamente que a salvação não anula a fé. Pedro demonstrou que a fé tem a finalidade (objetivo, intuito) de alcançar a salvação, assim como Paulo ensinou que a lei tem a finalidade de nos conduzir a Cristo para que possamos obter o perdão dos pecados, isto é, obter a graça através da fé (cf. Gálatas 3:24). Em Romanos 10:4, Paulo não afirma que a lei findou, pois ele mesmo disse que a fé em Cristo e a graça de Deus não invalidam a lei (Romanos 3:31Romanos 6:14-15). Outro exemplo do uso da palavra "fim" (telos) com o sentido de propósito (intenção, objetivo), encontra-se em Romanos 6:22: "Mas agora que vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos de Deus, o fruto que colhem leva à santidade, e o seu fim [telos] é a vida eterna." (NVI).

Romanos 14:5
"Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente." (RA).
Este verso é usado de maneira indevida para confrontar a lei de Deus através do quarto mandamento (Lucas 16:17 cf. Tiago 2:10-12); por ele, comumente se apresenta a alegação de que não existe importância na guarda sabática (Êxodo 20:8-11Gênesis 2:1-3 cf. Hebreus 4:9-10), ou, que não há necessidade de reservar o sétimo dia da semana exclusivamente para os desígnios de Deus (Isaías 56:2Isaías 58:13-14 cf. Atos 16:13).

Quando Paulo mencionou em Romanos 14:5 que existem pessoas que julgam "iguais todos os dias", ele não estava dizendo que esses dias eram sem valor, mas incentivando que cada um examinasse cuidadosamente suas concepções a este respeito: "Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente".

O tema de Romanos capítulo 14 é o auxílio ao próximo sem promover julgamentos por suas crenças, e isso é exemplificado através de questões que envolvem "datas importantes" e "opções alimentares", tais como: dias de celebração(d) e jejuns(e) (Jeremias 36:6Zacarias 8:19Atos 27:9). Estas práticas causavam dúvidas e até mesmo desavenças, pois os cristãos judeus possuíam dias festivos e de consagração na qual os cristãos gentios poderiam optar em participar, assim como o próprio judeu tinha esta liberdade. E as recomendações de Paulo a este respeito era que cada cristão avaliasse por si mesmo o valor desses dias e, evitasse o desprezo e as críticas pelas decisões dos demais.

O verso de Romanos 14:6 auxilia a esclarecer este assunto ao dizer: "Aquele que considera um dia como especial(f), para o Senhor assim o faz. Aquele que come carne, come para o Senhor, pois dá graças a Deus; e aquele que se abstém, para o Senhor se abstém, e dá graças a Deus." (Romanos 14:6 NVI). E, associada a esta declaração, tem-se a seguinte exortação: "Assim, seja qual for o seu modo de crer a respeito destas coisas, que isso permaneça entre você e Deus. Feliz é o homem que não se condena naquilo que aprova." (Romanos 14:22NVI).

Portanto, observa-se que Paulo não esta falando meramente de dias semanais. O que a quarta-feira, por exemplo, apresenta de especial para que um cristão devote-a ao longo do ano? O que a segunda-feira traz de importante para que alguém tenha que refletir e decidir algo sobre ela? O judaísmo (base do cristianismo) tinha ao longo do ano diversos dias especiais que eram optativos para um cristão estimá-los. E esta possibilidade de escolha é um dos pontos abordados em Romanos capítulo 14. Ademais, ao se considerar apenas os dias semanais, o único dia particular e especial para Deus é o Seu santo sábado - sétimo dia da semana (Êxodo 20:11Isaías 58:13-14Marcos 2:28), e Ele não atribuiu para este dia nada de optativo, assim como não deixou ao critério do homem a opção de obedecer ou não aos demais preceitos do Decálogo.

Cada cristão é responsável por si próprio perante Deus (Romanos 14:10-12). O que Ele espera é que cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente daquilo que acredita e segue, pois prestará contas por suas convicções (Eclesiastes 12:13-14Hebreus 4:12-13). O cristão é orientado a proceder cuidadosamente de acordo com a luz que recebeu e entendeu, pois a sua fé deve está firmemente alicerçada em santa convicção (I Tessalonicenses 1:5). Entre os seguidores de Cristo nada deve ser feito pela força ou imposição. Sempre deve prevalecer um espírito de amor e tolerância compreensiva. Os que são mais fortes na fé devem suportar as fraquezas dos mais fracos (Romanos 15:1-2), seguindo o exemplo de Cristo que levou as fraquezas e debilidades de todos (cf. Isaías 53:4-6). Não há lugar para a crítica que emana de justiça própria e cujo ponto de vista e prática proporcione menosprezo.


Vídeos relacionados: A Lei e a GraçaCremos na Graça
d. Acesse: Sábados Semanais e Anuais (em: "Sombra das coisas que haviam de vir").
e. Na Didaquê 8:1, documento apócrifo do século II, tem-se a seguinte advertência: "Vosso jejum não seja feito em comum com os hipócritas, porque eles jejuam no segundo e no quinto dia da semana; mas vocês jejuais no quarto dia e no dia da preparação [sexta-feira]." Sabe-se que o jejum era praticado nas segundas e quintas-feiras pelos judeus, especialmente nas sete semanas que decorriam entre a Páscoa e Pentecostes, e nos dois meses que separavam o fim da "festa do Tabernáculo" ao início da "festa da Dedicação" (Levítico capítulo 23:33-36; João 10:22). Alguns cristãos jejuavam nas quartas e sextas-feiras para não serem confundidos com os judeus que jejuavam nas segundas e nas quintas-feiras. Fonte: CBASD, vol. 5, p. 826.
f. A expressão, "considera um dia como especial" de Romanos 14:6 (NVI), provém da expressão grega "phroneo ho hemera". O verbo grego "phroneo" significa: dispor entendimento; refletir os próprios conceitos; apoiar algo (público); considerar algo importante. E, "hemera", significa: um período de tempo formado por "um dia" e "uma noite"; intervalo de tempo entre o nascer e o pôr do sol.
1. Isaías capítulo 53; Romanos 5:1-2; I João 2:1-4; II Coríntios 7:10 cf. Salmos 32:1-5.
2. Romanos 6:22-23; I Coríntios 15:56; Tiago 1:15 cf. I João 3:4, Romanos 5:13, Romanos 7:7.
3. João 14:25-26 cf. Isaías 30:21; Hebreus 10:16-17; I João 5:1-5.
4. Mateus 5-17-20; Mateus 19:16-19; Lucas 16:17; João 14:21.